Perder peso, emagrecer, entrar em forma. Não importa a expressão, o que milhões de pessoas buscam é uma dieta com poucas restrições alimentares e muitos resultados. Um milagre que ainda não existe. É nessa jornada que algumas dietas ganham visibilidade e adeptos, como o jejum intermitente.
Privar-se de alimentação por várias horas não é novidade. É uma prática religiosa milenar, relatada desde a Grécia Antiga, e ainda adotada entre os muçulmanos, no Ramadã, com jejum do nascer ao pôr do sol; e, entre os judeus, no Yom Kippur (Dia do Perdão), com jejum de um pôr do sol ao do dia seguinte.
Aqui vale uma reflexão de como as verdades científicas são mutáveis. Há não muito tempo, o jejum intermitente era o “vilão”, e o correto era comer de três em três horas, sem pular refeições, com café da manhã, almoço e jantar. Agora se sabe que períodos sem se alimentar podem trazer benefícios para o organismo humano, mas não para todas as pessoas. Até se chegar a essa conclusão, o caminho foi longo e ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas em estudos científicos.
Como estratégia de emagrecimento e com finalidade terapêutica, o jejum intermitente foi descrito em meados de 1800, pelo médico E. H. Dewey. Desde então, avançamos em relação a um maior conhecimento dos seus mecanismos de ação, o que tem despertado o interesse de médicos e pesquisadores. As evidências apontam para a relação entre o jejum intermitente e alterações metabólicas, e como estas podem ser favoráveis, ou não, para o organismo e para quem esse tipo de dieta pode trazer resultados positivos.
O que tem estimulado o olhar científico mais amplo para o jejum intermitente – como uma modalidade de intervenção nutricional – é o fato de ser mais uma alternativa diante da escala ascendente, em todo o mundo, do número de indivíduos com distúrbios metabólicos. Nesse cenário alarmante, destacam-se a obesidade suas comorbidades, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, dislipidemia e doenças cardiovasculares, quadros clínicos em que mudanças nos hábitos alimentares podem resultar na redução dos riscos da doença.
A partir de evidências científicas, constatou-se um impacto positivo do jejum intermitente na perda de peso e, consequentemente, melhoria nas condições de saúde. Porém, há ressalvas que induzem a novos estudos, e cautela é a palavra-chave na adoção de uma dieta que envolve limitações alimentares por longos períodos.
Embora se registre uma melhor adesão dos obesos a esse tipo de dieta, se comparada a intervenções com redução de calorias, é preciso considerar que as provas científicas de que esta estratégia contribui para perda de peso em segurança envolvem apenas adultos. Isso induz a uma avaliação cuidadosa, caso a caso, não fazendo parte de uma recomendação generalizada a ser adotada, indiscriminadamente, pois pode gerar damos para a saúde.
Com o jejum intermitente, uma alteração metabólica benéfica no organismo, devido à perda de peso e da gordura abdominal, pode ter reflexos numa possível redução do risco cardiovascular, uma das condições associadas à obesidade e que exige constante controle. Acredita-se que esses resultados estão atrelados, ainda, a uma sincronicidade com o ritmo circadiano.
As melhorias no perfil lipídico, na diminuição de respostas inflamatórias, regulação glicêmica e da pressão arterial, redução no estresse oxidativo e a produção de radicais livres – um fator favorável de longevidade – entram nos potenciais benefícios da dieta. Alternar o jejum com ciclos de alimentação ode, ainda, modificar a regulação da fome e induzir a mudanças hormonais, que irão contribuir na perda de peso.
Com a ampla divulgação na mídia, o jejum intermitente está na lista das dietas descomplicadas, no desafio de se perderem alguns quilos com certa rapidez. Contudo, há vários protocolos capazes de gerar confusões e riscos, se não houver a orientação de um profissional da saúde.
O tipo mais conhecido é o “jejum completo”, em dias alternados, com jejum de 24h – com total restrição a alimentos ou bebidas calóricas – e dias de alimentação à vontade. Outra opção é o “jejum modificado” ou dieta 5 por 2, que prevê uma restrição por dois dias – com consumo de 20% a 25% da necessidade de calorias no dia – e, nos outros cinco dias não há limitação alimentar.
Há, ainda, a alternativa de restrição por tempo determinado, que possibilita comer nas denominadas “janelas de alimentação”, quando se pode ingerir água, chá ou café, sem açúcar. Este talvez seja o caminho de melhor adaptabilidade, pois o jejum pode ser de 8, 12 ou 24 horas.
Em qualquer dos protocolos, deve-se levar em conta a individualidade na adequação, ou não, à privação de alimentos, por longos períodos. O ideal é que esse processo seja escalonado, iniciando com 6 horas, depois 8, 12,16 e 24h.
Vale ressaltar um aspecto interessante: o jejum intermitente é uma dieta hipocalórica. Em média, ingerimos, por dia, 2 mil calorias. Se em um deles não comemos nada e, no outro, estamos liberados para uma alimentação normal, temos a chance de consumir 4 mil calorias, num esquema de compensação do jejum. Mas isso não ocorre, e a soma de todas as calorias na semana não atingirá a média de 14mil. Daí a estratégia do jejum funcionar e favorecer a redução do peso corporal.
O que se tem verificado é que, após o jejum, as pessoas não irão consumir com excessos. Num primeiro momento, pensava-se que isso aconteceria. Porém, após longos períodos sem se alimentar, o organismo libera os chamados corpos cetônicos, um substrato energético que, de alguma maneira, interfere na saciedade e reduz a fome. No passado, tentativas bem semelhantes ao jejum intermitente já existiram, como a dieta da rotação. Durante 5 dias da semana, a dieta era normal, com 2 mil calorias. E nos outros dois dias consumia-se apenas 500 calorias, num jejum parcial. Também nesse caso, a ingesta alimentar não atingia as 14mil calorias e favorecia a perda de peso.
Para quem pretende começar o jejum intermitente, valem os mesmos cuidados como para qualquer outra mudança de hábitos alimentares. A orientação de um especialista em saúde é fundamental, pois cada indivíduo tem um perfil metabólico que precisa ser respeitado. Não se pode decidir, simplesmente, que a partir de amanhã se irá parar de comer por um dia. Reforçamos a questão dos grupos de risco. Há pessoas com hipoglicemia reacional, que passam mal num simples exame de sangue, com apenas algumas horas de jejum. Há outras que fazem uso de termogênicos, que também podem geral hipoglicemia e taquicardia, e, com o jejum, estes sintomas podem se agravar.
Outras contraidicações são os portadores de diabetes mellitus tipo 1, pessoas com bipolaridade, que usam medicamentos psicotrópicos; gestantes, em hipótese alguma, pois há riscos para a mãe e para o bebê; idosos, em especial os que utilizam vários medicamentos concomitantemente.
É importante lembrar que, como outras dietas da moda, as pessoas se cansam das restrições e desistem, e essas ondas de mudanças de hábitos alimentares para a saúde, se não forem planejadas e orientadas.
Como dieta hipocalórica, o jejum intermitente irá reduzir o peso corporal. Mas não adianta as pessoas empolgadas por “orgias alimentares” ficarem 24 horas sem comer e, depois, consumirem tudo que encontrarem pela frente, numa compensação. Ao optar por esse tipo de dieta, é preciso consciência, como em qualquer outra estratégia nutricional.
Não há evidências que indiquem a duração ideal de um jejum intermitente, pois elas se baseiam em resultados obtidos a partir dos jejuns religiosos e trabalhos científicos, com grupos reduzidos de pacientes. É preciso ainda observar que os mecanismos moleculares benéficos para a nossa saúde estão em permanente progresso.
Sempre que possível, deve-se optar por uma alimentação saudável, rica em nutrientes e equilibrada. Uma intervenção nutricional precisa ser indicada para pessoas que sofrem de patolo9gias que requerem uma perda de peso e para melhoria do seu quadro clínico. Como um recurso terapêutico, o jejum intermitente é uma indicação – quando não há restrições ao paciente – até que os parâmetros da doença melhorem e se possa retornar a alimentação normal, mesmo que sob controle e certas restrições, visando ao bem estar.
Enfim, quem fala que perder peso é fácil é porque é uma pessoa magra. Esse desafio é imenso para os obesos e para a saúde pública global, pela expansão da doença em todas as faixas etárias e classes sociais. O jejum intermitente é mais um caminho para a redução de peso corporal, mas tem seus prós e contras. Não se pode confiar em modismos, nas redes sociais, e se aventurar, quando o assunto é saúde. É necessário um diagnóstico e atenção médica para não correr o risco de provocar efeitos deletérios no organismo, por descuido ou crença em milagres.
Durval Ribas Filho – Revista: Ser médico. nº 98 – ano XXIV . jan/fev/mar – 2022